Imunizantes de RNAm reduziram tumores em testes pré-clínicos, porém os pesquisadores ainda não publicaram os dados em revistas científicas e não se sabe se a liberação ocorrerá para estudos clínicos ou para uso na população
A chefe da Agência Federal de Medicina e Biologia (FMBA) da Rússia, Veronika Skvortsova, afirmou neste mês que o país desenvolve uma vacina contra o câncer colorretal “pronta para uso” após resultados positivos em testes pré-clínicos. A comunidade científica, no entanto, recebe a novidade com uma certa desconfiança, já que os dados não foram publicados em revistas científicas e aparecem apenas em comunicados do governo. Conforme a agência estatal russa Tass, Skvortsova declarou durante o Fórum Econômico do Leste, em Vladivostok, que “a pesquisa da vacina durou vários anos, sendo os últimos três dedicados aos estudos pré-clínicos obrigatórios”. E que a dose agora está pronta para uso. “aguardamos a aprovação oficial.”
Antes de chegar ao mercado, todo medicamento ou vacina precisa passar por um longo processo de pesquisa. Nessa trajetória, as agências reguladoras avaliam se o produto é seguro e eficaz o suficiente para receber autorização de uso. O caminho começa com testes pré-clínicos, realizados em animais de laboratório, e avança para diferentes fases de ensaios clínicos com voluntários humanos, geralmente, em pelo menos três etapas até a conclusão.
Pesquisadores geralmente publicam os dados desses testes em revistas científicas, garantindo a confiabilidade das informações. Eles também enviam os resultados à agência reguladora responsável, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil, que avalia os dados para decidir se aprova ou não o novo medicamento.
A autoridade russa não explicou se o aval que aguardam são para iniciar os testes clínicos em humanos — seguindo os procedimentos necessários para comprovar segurança e eficácia da vacina, ou se deve ser para aplicar o imunizante diretamente em pessoas. No fim do ano passado, Skvortsova afirmou que, com a conclusão dos testes pré-clínicos, estavam “prontos para começar a implementar esta vacina na prática já em 2025”.
O presidente russo, Vladimir Putin, também manifestou altas expectativas em relação ao imunizante, classificando-o como uma “inovação”.A dose foi desenvolvida em conjunto por cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, do Instituto de Pesquisa Oncológica Hertsen de Moscou e do Centro de Pesquisa do Câncer Blokhin.
Durante os testes pré-clínicos a vacina foi segura e levou a uma redução no tamanho dos tumores e uma desaceleração na sua progressão, que teria variado de 60% a 80%, dependendo das características da doença. Além do mais, a pesquisa teria indicado um aumento nas taxas de sobrevivência, segundo Skvortsova.
A vacina tem como alvo inicial o câncer colorretal, também chamado de câncer de intestino. A autoridade russa, porém, afirmou que pesquisadores registram avanços promissores no desenvolvimento de versões para glioblastoma, um câncer cerebral agressivo, e para melanoma, o tipo mais letal de câncer de pele.
A dose usa a tecnologia de RNA mensageiro (RNAm), a mesma aplicada nos imunizantes contra a Covid-19 e estudada por outras farmacêuticas no combate a tumores. Diferente das vacinas contra a Covid-19, esta é terapêutica, não preventiva, porque induz o organismo a produzir anticorpos para atacar o tumor, e não para impedir a doença.Para isso, os cientistas retiram uma proteína (antígeno) do tumor de cada paciente e a utilizam na formulação da dose. Ao apresentar essa proteína ao sistema imunológico, a vacina ensina o corpo a reconhecer o material genético do câncer e a produzir defesas contra ele, algo que não acontece naturalmente, já que as células tumorais passam despercebidas pelo organismo.
Outros laboratórios que também desenvolvem vacinas terapêuticas para o câncer com a tecnologia de RNAm têm publicado os resultados dos testes em revistas científicas. A mais avançada, na última etapa dos estudos, é uma contra o melanoma, câncer de pele mais agressivo, da americana Moderna em parceria com a MSD.Dados da fase 2, publicados no The Lancet, apontaram que a vacina proporcionou uma redução de 49% no risco de morte ou recorrência, e de 62% no de morte ou metástase. Além disso, o laboratório americano está nos estágios finais dos estudos clínicos de uma vacina contra o câncer de pulmão de células não pequenas e de câncer de bexiga.
No Brasil, a Fiocruz também iniciou um projeto de vacina para tratamento do câncer com RNAm, contudo foi pausado para direcionar o foco para a pandemia da Covid-19. Neste ano, os pesquisadores retomaram o estudo. Em estágio ainda inicial, já selecionaram proteínas de um tipo de câncer de mama.
De acordo com especialistas ouvidos pelo GLOBO, as primeiras doses de vacinas contra o câncer devem receber validação no mundo até 2030, com base no andamento e na divulgação de testes clínicos. Conforme os especialistas do jornal, a vacina russa, não tem transparência em relação aos dados dos estudos ou a uma possível análise do órgão regulador do país.
Fonte: O GLOBO







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